sexta-feira, setembro 01, 2006

Expresso


Suas curvas redondas faziam os olhos brilhar. Brilhavam mais pelo desconhecimento do que seria aquilo, do que pelo brilho verdadeiro que a caneta possuía. “O que é isso?”. Não era apenas uma dúvida, uma reles pergunta. As palavras que pulavam dos olhos da menina eram dúvida, fascínio, medo, resignação, desejo. O brilho parecia ter sido contido por tempos num mundo escuro que mesmo os seus olhos infantis não tinham como iluminar. Não era o escuro dos barracos, dos córregos, da sujeira, pois isso a acompanhava até no mundo das luzes, belezas e sorrisos (mesmo que falsos) em que ela estava. Era o escuro da desilusão, tristeza, fome, que contrastava com o branco dos panos sobre seus braços. Afinal, para passá-los aos outros, os panos não poderiam confessar de que mundo eles, assim como ela, vinham.

Ele, por sua vez, não se fascinava com o escuro. Mesmo que dele soubesse muito pouco, já que até seu carro, preto, brilhava. O máximo que sabia era do preto da tinta de sua caneta, que, em mãos habilidosas como as dele, fazia brilhar os textos colados e calados na página branca.

Ele sabia como se pode cegar quando o fascínio toma lugar no pensamento. Já escrevera isso milhares de vezes. Mas pela primeira vez encontrava num simples, singelo momento, a contradição para os pensamentos de seus personagens. Talvez isso lhe mostrara o inverso do que é a existência deles: ele mesmo. Tal fascínio erguera suas pálpebras em vez de cerrá-las, e ele viu, na diferença entre aqueles dois mundos presentes numa só cena, aquilo que os fazia comuns: o medo do desconhecido.


Lucas Fabbrin