segunda-feira, maio 29, 2006

A Universidade do Biscate

Em face dos problemas enfrentados pela classe de trabalhadores de nível superior no mercado de trabalho tupiniquim, eu e alguns colegas de desocupação formulamos um projeto revolucionário para o sistema universitário brasileiro: a Universidade do Biscate.

Contando com a nata dos trabalhadores de todos os setores da economia, a Universidade do Biscate será a única capaz de atender à demanda do mercado, qualificar todos os setores da economia brasileira e, o mais importante, oferecer uma formação realmente transdisciplinar.

Mesclando os conhecimentos e tecnologias das mais diversas áreas profissionais, o universitário brasileiro vai sair da escuridão. Entre outros motivos, porque vai aprender o metiê do eletricista.

Formando uma classe acadêmica extremamente heterogênea, a Universidade do Biscate trará um pouco mais de realidade à formação acadêmica brasileira, tão distanciada das necessidades exigidas pelo país. Ao mesmo tempo, qualificará nossa classe trabalhadora, trazendo aos extremos mais chulos da população, um conhecimento hoje restrito àqueles formadores do meio universitário brazuca.

A proposta vai muito além de uma transdisciplinariedade apenas acadêmica. Estudantes de psicologia não aprenderiam apenas algo de engenharia. Estudantes de física não teriam contato apenas com o conhecimento filosófico. A Universidade do Biscate vai trazer o Zé e todos seus amigos e sua qualificação pra dentro dos muros da universidade brasileira.

Os cursos seriam organizados de acordo com a escolha prévia do estudante em um eixo central. Os cursos já existentes não seriam abolidos. Seriam apenas adicionados alguns novos, como a formação de carpinteiros, borracheiros, pedreiros, eletricistas, encanadores, e toda a sorte de profissões hoje injustamente consideradas menores. O aluno teria uma grade de horários inovadora e interessante. No primeiro período de aula, “Psicologia Clínica”; no segundo, “Portaria I”; no terceiro, “Física Quântica”; no quarto, “M.T.U.A. II” (Métodos e Técnicas da Utilização do Andaime II). Outra possibilidade seria: “Recondicionamento de Pneus Radiais”, seguido de “Anatomia II”, depois “Bioquímica”, terminando a manhã de estudos com “Quentinhas IV” (a última cadeira das quatro, onde se estuda o método de produção, publicidade e vendas de sanduíches na praia. Tudo baseado na experiência de Raquel, a personagem de Regina Duarte na novela “Vale Tudo”). Todas as disciplinas à escolha dos estudantes.

Estágios não faltariam nas diversas áreas de formação. O objetivo dos estágios seria levar esse diferenciado conhecimento aos mais variados feudos profissionais. Contaminando, dessa forma, os trabalhadores já viciados e institucionalizados, a pensar de uma forma diferente. “Esse aí ó, me deixou com uma pulga atrás d’orelha...”. Essa revolução brindaria a sociedade brasileira com um profissional multifacetado (mas sem viadagem). Veríamos reuniões de executivos de grandes empresas cuspindo no tapete e passando a mão na bunda da secretária que se chama Lurdes (assim mesmo L-U-R-D-E-S), “é dessas que eu gosto, bem cheinha...”. Teríamos o Discurso do Método, de René Descartes, sendo discutido em volta da churrasqueirinha de tijolo na obra. De vez em quando, a “turma do deixa disso” ia apartar a briga porque o mestre-de-obras defendia que o “Sêu Descartes” arruinou a ciência aristotélica, enquanto o Valdir dizia “Peraí, não é bem assim!”. Seria sensacional presenciarmos esses diálogos entre os novos profissionais: “Pega o meu cartão.”, “Hmmm, interessante. Em que área você atua?”, “Área de serviço.”.

Basta ver os testemunhos dos nossos profissionais ou estudantes para sentirmos a necessidade da implementação desse novo projeto. Sociólogos que não sabem trocar uma lâmpada. Encanadores que não sabem fazer a conta do serviço. Advogados que reclamam do preço do borracheiro. Logo correrá um abaixo assinado via Internet para sensibilizar o Ministério da Educação para a análise da proposta da Universidade do Biscate. Contamos com o apoio de todos.


Lucas Fabbrin